Elementos da cultura de Dia 1 da Amazon
A mentalidade de “Dia 1” da Amazon faz parte de uma cultura e um modelo operacional que coloca os clientes no centro de tudo que a Amazon faz. Para colocar o “Dia 1” em prática, é necessário manter o foco no longo prazo, ser obsessivo em relação aos clientes e ter ousadia na hora de inovar.
Artigo | Leitura de 7 minutos
por Daniel Slater
Líder mundial de cultura de inovação da AWS
Em todo relatório anual, Jeff Bezos anexa uma cópia de sua carta aos acionistas original de 1997. Naquela carta de 1997, Bezos descreve as medidas fundamentais do sucesso potencial da Amazon: foco implacável no cliente, criação de valor a longo prazo em detrimento de lucro corporativo imediato e a realização de apostas ousadas. “Este é o Dia 1 para a Internet”, escreveu Bezos, “e, se fizermos tudo certo, para a Amazon.com”.
Tais princípios, manter o foco no longo prazo, ser obsessivo em relação aos clientes e suas necessidades e inovar com ousadia para atender essas necessidades, permanecem consistentes por mais de duas décadas e fazem parte do que é conhecido na Amazon como mentalidade de “Dia 1”. Dia 1 é uma cultura e um modelo operacional que coloca os clientes no centro de tudo que a Amazon faz. Trabalhamos arduamente para entender os clientes e trabalhar percorrendo o caminho inverso desde seus pontos de problema para desenvolver rapidamente inovações que criam soluções significativas para suas vidas. Dia 1 é ser curioso, ágil e experimentador o tempo inteiro. Significa ser corajoso o suficiente para falhar se isso significa que, ao aplicar as lições aprendidas, podemos melhor surpreender e entreter os clientes no futuro.
Dia 1 é uma cultura e um modelo operacional que coloca os clientes no centro de tudo que a Amazon faz."
Em oposição, há a mentalidade de “Dia 2”: à medida que uma organização cresce, ela precisa ajustar a sua abordagem para gerenciar efetivamente a organização conforme ela escala. O perigo é que, enquanto isso ocorre, as decisões podem passar a ser mais lentas, fazendo com que a empresa se torne menos ágil e se afaste cada vez mais do cliente conforme muda o foco para desafios internos ao invés de externos customer-centric innovation.
Isso não acontece de um dia para o outro, mas pode ocorrer gradualmente e se manifestar aos poucos de forma tão pequena que não é imediatamente alarmante ou até mesmo passar despercebido. Sem os devidos cuidados, uma mentalidade de Dia 2 pode se manifestar. Quando questionado "Como é o Dia 2?" Em sua carta aos acionistas de 2016, Bezos respondeu: “O Dia 2 é uma estagnação. Seguida por irrelevância. Seguida por um declínio doloroso e excruciante. Seguida pela morte. E é por isso que é sempre Dia 1". Para evitar a cultura de Dia 2, uma empresa deve ser vigilante ao extremo, permanecer focada em seus clientes e se livrar de práticas que prejudicam sua capacidade de inovar rapidamente.
Ao mesmo tempo que não acreditamos que a abordagem da Amazon seja a única ou a melhor, muitos de nossos clientes nos pedem para compartilhar as lições que aprendemos à medida que crescemos, bem como alguns dos mecanismos que adotamos para garantir que seja sempre Dia 1 na Amazon.
Obsessão pelos clientes
Há muitos aspectos na manutenção de uma mentalidade de startup Dia 1 ágil. Para nós, a mais importante, o alicerce que sustenta a cultura da Amazon, é a obsessão pelo cliente.
A Amazon adota 16 princípios de liderança que usamos para orientar nossas ações e as decisões que tomamos todos os dias. Embora não haja ordem ou hierarquia oficiais para eles, também não é coincidência que o primeiro princípio de liderança seja a obsessão pelo cliente. "Líderes têm o cliente como ponto de partida e trabalham percorrendo o caminho inverso", diz ele. "Eles trabalham com afinco para conquistar e manter a confiança do cliente. Embora os líderes prestem atenção na concorrência, sua obsessão é o cliente."
Começamos com as necessidades do cliente e trabalhamos percorrendo o caminho inverso. Ao analisar suas experiências e frustrações e entender profundamente o contexto por trás delas, evitamos inventar isoladamente ou produzir uma solução para depois buscar um cliente. "Uma coisa que adoro nos clientes é que eles são divinamente descontentes", escreveu Bezos em sua Carta aos acionistas de 2017. "A surpresa de ontem rapidamente se torna o comum de hoje". Os clientes são capazes de fornecer ideias ilimitadas e inspiração para inovar, e suas necessidades e seus desejos motivarão você a inventar em seus nomes.
Por exemplo, na AWS, cerca de 90% dos recursos desenvolvidos vêm diretamente de ouvir as necessidades dos clientes. Os outros 10% são o resultado de estar perto o suficiente deles para que possamos inventar em seu lugar quando eles não articulam, ou não podem articular, essas necessidades.
Somos motivados internamente a melhorar nossos serviços, acrescentando benefícios e recursos, antes que precisemos fazê-lo. Reduzimos os preços e aumentamos o valor para os clientes antes de precisarmos. Inventamos antes de precisar inventar."
—Jeff Bezos, Carta aos acionistas de 2012
Essa obsessão implacável pelo cliente faz parte do coração da abordagem da Amazon desde do Dia 1 literal da empresa (um dos nomes que Bezos havia considerado para a empresa foi Relentless.com— digite esse endereço no navegador e veja aonde ele o levará!). Ao manter uma cultura obcecada pelo cliente e trabalhar percorrendo o caminho inverso desde suas necessidades, suas inovações estarão melhor preparadas para dar certo desde o início. Ao ser inspirado pelas necessidades do seu clientes, você provavelmente também se abrirá para inovar em muito mais áreas do que faria de outra forma. Suas inovações não são limitadas por como você pode realizá-las em seu ambiente atual, mas sim pelo quanto grandes elas podem ser e por quanto elas podem satisfazer seus clientes.
Tome decisões de alta qualidade em alta velocidade
Um aspecto crítico da manutenção de uma cultura de Dia 1 é a forma como uma empresa aborda a tomada de decisões à medida que ela cresce. Todas as empresas se esforçam para tomar decisões de alta qualidade. Mas você também precisa ser capaz de tomar essas decisões de forma rápida e em escala. Isso é muito mais fácil em um ambiente de startup dinâmico: há menos camadas de comunicação e hierarquia corporativa em que é preciso navegar. Mas, conforme uma empresa cresce, ela também tende a se tornar mais complexa. Os elementos de uma cultura de Dia 2 podem começar a aparecer: mais estruturas organizacionais em camadas, múltiplas cadeias de aprovação, a necessidade de consenso (ou, tão perigoso quanto, comprometimentos que tornam as inovações menos impactantes) ou até mesmo a necessidade dos líderes atuarem em cada decisão tomada pela empresa. Tudo isso atrapalha a tomada de decisões.
Na Amazon, temos alguns mecanismos que nos ajudam a fazer bons julgamentos e garantir que tomemos decisões de alta qualidade em alta velocidade. O primeiro é o conceito de "equipes de 2 pizzas", o que significa que as equipes são pequenas o suficiente para serem alimentadas com duas pizzas. Manter as equipes pequenas também as capacita com a autonomia e a velocidade necessárias para agir como donas de seus produtos e clientes. Na prática, essas são equipes pequenas descentralizadas com no máximo 10 pessoas com foco monofilar em um único serviço e nos clientes que o utilizam. Essa estrutura minimiza a necessidade de comunicação matricial ou burocracia desnecessária, permitindo a tomada rápida de decisões pelas pessoas que estão mais perto das necessidades dos clientes.
Principais fatores para a tomada rápida de decisões
- Reconheça portas que abrem para os dois lados. Embora algumas decisões sejam portas que só abrem para um lado, outras abrem para os dois, o que significa que elas são reversíveis e eventuais erros podem ser corrigidos rapidamente.
- Não espere por todos os dados. Se você esperar até saber tudo, provavelmente estará sendo lento demais. A maioria das decisões precisa de cerca de apenas 70% das informações que você gostaria de ter.
- Discorde, mas se comprometa. As pessoas podem discordar, mas, uma vez tomada a decisão, todos devem se comprometer com ela. Isso economiza tempo, pois evita que uns tentem convencer os outros.
As equipes de duas pizzas estimulam a propriedade e a autonomia, pois têm a experiência de ponta a ponta e contam com os recursos certos integrados para desenvolver, testar, iterar e escalar rapidamente em nome de seus clientes, e tudo isso com menos dependências. Essa propriedade single-threaded impulsiona a tomada de decisões para o nível de equipe e, ao mesmo tempo, promove a responsabilidade, pois as equipes de duas pizzas têm uma metodologia e visão geral bem clara sobre o conjunto certo de métricas e KPIs que causam o maior impacto para seus clientes. Sem a necessidade de manter sistemas complexos ou resolver problemas em várias linhas de negócios, as equipes de duas pizzas podem dedicar mais tempo e energia a testagem, experimentação e inovação rápidas em nome de seus próprios clientes.
Outra ferramenta que usamos na Amazon para auxiliar na tomada de decisões de alta qualidade em alta velocidade é uma mentalidade que chamamos de portas que abrem para um lado e portas que abrem para os dois lados. Uma decisão de porta que abre para um lado é aquela que traz consequências significativas e, frequentemente, irrevogáveis. Por exemplo, a construção de um centro de distribuição ou data center é um exemplo que exige uma grande quantidade de gastos de capital, planejamento e recursos, necessitando assim de análise profunda e cuidadosa. Uma decisão do tipo porta que abre para os dois lados é aquela que tem consequências limitadas e reversíveis: testagem A/B em um recurso na página de detalhes de um site ou aplicativo móvel é um exemplo básico, porém elegante, de decisão reversível.
Ao dar um passo atrás e olhar para as decisões que tomou, você poderá ver que a maioria delas é reversível. Quando vemos uma decisão de porta que abre para os dois lados e temos evidências e razões suficientes para acreditar que ela pode ser benéfica para os clientes, simplesmente a atravessamos. Queremos encorajar seus líderes e funcionários a agir com cerca de somente 70% dos dados que eles gostariam de ter. Esperar por 90% ou mais significa que vocês provavelmente estão se movendo muito devagar. E, com a possibilidade de reverter facilmente decisões desse tipo, você pode reduzir os custos representados por falhas e aprender lições valiosas que podem ser aplicadas em sua próxima inovação.
Abrace tendências externas e resista a intermediários
Vivemos em um mundo em constante e inabalável mudança impulsionada por inovações tecnológicas aceleradas, regulamentações dinâmicas e demandas de governança, além de até mesmo insurreições não planejadas, como a COVID-19. É mais crucial do que nunca que as empresa resistam a depender de suas competências seguras e conhecidas às custas de atender às necessidades dinâmicas de seus clientes.
Uma empresa propensa a adotar a mentalidade de Dia 2 pode se ver mais focada internamente em maximizar as margens e a lucratividade atuais, em vez de prestar atenção nas tendências atuais e inovar com ousadia em nome de clientes novos ou não atendidos adequadamente. Uma empresa com mentalidade de Dia 1 insistirá em iteração e experimentação constantes. Elas estimularão a curiosidade. Elas adotarão, explorarão e serão inspiradas por tendências externas ao seu redor. E elas capacitarão seus líderes e funcionários a assumir riscos, sendo tolerante a falhas como uma consequência inevitável da inovação.
Mas isso não é fácil. É necessário que os executivos deem o exemplo de cima bravamente, criando a cultura e o ambiente certos para estimular a experimentação e a aceitação das falhas. Como Bezos escreveu em sua Carta aos acionistas de 2016, "Permanecer no Dia 1 exige que todos experimentem pacientemente, aceitem falhas, plantem sementes, protejam as mudas e dobrem as apostas ao perceberem o deleite dos clientes".
Isso também exige ficar próximo ao cliente e não deixar que o processo atrapalhe a entrega de resultados voltados para o cliente. Em empresas que experimentaram crescimento, a tendência é criar processos para ajudar a gerenciar os negócios em nível de linha de visão e além. Embora bons processos possam ser altamente eficientes e eficazes, as empresas devem ser cuidadosas quanto à tendência de Dia 2 de otimizar processos em vez de garantir que continue a proporcionar os resultados certos para seus clientes.
Se você não prestar atenção, o processo poderá se transformar no objetivo... Você deixa de olhar para os resultados e apenas passa a garantir que esteja realizando o processo corretamente. O processo não é o objetivo. Sempre vale a pena perguntar: somos donos do processo ou o processo é nosso dono? Em uma empresa Dia 2, talvez você descubra que é a segunda opção."
—Jeff Bezos, Carta aos acionistas de 2016
Um exemplo é o uso de dados agregados. Relatórios podem mostrar um crescimento médio consistente em uma grande empresa, mas a natureza agregada dos dados pode mascarar tendências e impulsionadores subjacentes que afetam um número significativo de clientes. Por exemplo, um indício casual de um cliente na forma de feedback ou um caso de uso resultante de um tíquete de problema podem parecer pontos fora da curva em função de suas discrepâncias em relação ao que é mostrado pelos dados. Nesses casos, vale a pena mergulhar mais fundo nesses pontos fora da curva e indícios e garantir que os funcionários estejam escalando os problemas rapidamente e as causas raiz estejam sendo corrigidas antes de causar impacto significativo em seus clientes.
É sempre Dia 1
Não é fácil para uma empresa crescer e permanecer inovadora. A própria natureza do crescimento e da operação de uma empresa em escala gera complexidades adicionais, gerando uma tendência natural de desaceleração. É crítico para as empresas poder se adaptar a ambientes externos altamente dinâmicos e às necessidades em constante evolução de seus clientes para continuar inovando para eles.
Para isso, uma empresa precisa se proteger zelosamente contra mentalidades de Dia 2: focar em metas ou processos de curto prazo, em vez de resultados que encantam os clientes; permitir que a hierarquia e a burocracia se espalhem, em vez de capacitar a autonomia e a experimentação e a tomada rápida de decisões; temer as falhas e se entrincheirar nas capacidades existentes em vez de pensar grande em que ela pode vir a ser.
Ao manter uma cultura de Dia 1 — uma que seja obcecada com o cliente, que possibilite a tomada de decisões de alta qualidade em alta velocidade, que permita que seus funcionários e líderes sejam curiosos e experimentem e que permita que as falhas e o aprendizado por elas produzido sejam vantagens competitivas, em vez de riscos que devem ser evitados a todo custo —, uma empresa estará mais bem preparada para usufruir de seu crescimento, em vez de ser atrapalhada por ele. E ela estará melhor posicionada para liderar a inovação na linha de frente.
Como Bezos escreveu em sua Carta aos acionistas de 2016:
Então, vocês estão satisfeitos apenas com a qualidade da decisão ou a velocidade das decisões também é importante? As tendências do mundo são como vento de cauda para vocês? Vocês estão se sentindo uma presa dos intermediários ou eles estão lá para servi-los? E, o mais importante, você está encantando seus clientes? Podemos ter o escopo e os recursos de uma grande empresa e o espírito e o coração de um pequeno negócio. Mas precisamos escolher."
Mentalidade de Dia 1
Foco nos clientes
Decisões de alta qualidade em alta velocidade
Experimentos para incubar novas capacidades
Abraça as falhas
Estruturas organizacionais ágeis
Equipes pequenas que são donas do que criam
Prioriza o longo prazo, valor sustentado
Mentalidade de Dia 2
Foco em desafios internos
Decisões burocráticas baseadas em consenso
Investe em capacidades entrincheiradas
Teme as falhas
Estruturas organizacionais em várias camadas
Equipes grandes com muitas dependências
Prioriza o valor imediato de curto prazo
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Sobre o autor
Daniel Slater, líder mundial de cultura de inovação da AWS
Dan Slater supervisiona a cultura de inovação como parte da equipe de inovação digital da AWS, que usa metodologias inspiradas nos mecanismos de inovação da Amazon (por exemplo, trabalhar percorrendo o caminho inverso) para ajudar os clientes a desenvolver e fornecer novas soluções na AWS. Dan ingressou na Amazon em 2006 para lançar as primeiras ofertas de conteúdo digital da empresa voltadas diretamente para o cliente. Ele ajudou a lançar o dispositivo Kindle e os marketplaces de conteúdo globais do Kindle, bem como o serviço de autopublicação da Amazon, o Kindle Direct Publishing (KDP). Após supervisionar os negócios digitais dos 60 principais editores comerciais, Dan liderou aquisição de conteúdo, geração de demanda e relações com fornecedores para o KDP. Antes da Amazon, Dan foi editor de aquisições sênior na Simon & Schuster e Penguin, e liderou a equipe de vendas para uma firma de editoração de TI (Vista, agora Ingenta). Nascido em Toronto, no Canadá, Dan vive em Seattle com sua esposa e dois filhos. Ele é MBA pela Fuqua School of Business, Duke University, além de ter concluído bacharelado duplo em artes pela Cornell University.
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